Claro que não seria esperada uma ampla recepção ao conteúdo do blog etario, visto que, todos os posts foram colocados de livre e expontanea vontade sem obedecer a qualquer critério de escolha quanto aos temas abordados, ou aos leitores alvo. Todos foram fruto da inspiração do momento, do estado de espirito, ou da observação de factos que se julgou relevantes. No fundo, a intenção é, pôr no teclado aquilo que se pensa baixinho, e que por razões obvias não se gritam aos quatro ventos.
Hoje, é a primeira vez que escrevo a pedido, ou seja: dos comentários aos post's "A DIREITO" tem vindo a solicitação de que continue a escrever acerca do tema "DIREITO". Pois bem, antes de continuar, covém esclarecer que tudo o que foi e será escrito, não é mais do que a modesta opinião de um estudante da disciplina, e que, como é natural terá as suas lacunas de ordem técnica e jurídica, para além de outras.
Posto este esclarecimento, que julgo necessário, aventuremo-nos então nos meandros de um caso prático de Direito;
Maria, mulher ainda jovem, casada e mãe de dois filhos, trabalhando com seu marido duramente no estranjeiro como emigrante, resolveu comprar em Portugal, na sua aldeia natal, um pedaço de terreno com a finalidade de aí construir uma casa.
Como as raízes sempre falam alto, Maria comprou o terreno próximo da casa de familiares e aí construiu a sua casa. O referido terreno foi legalmente destacado de uma propriedade cujos limites davam para duas ruas (duas frentes). Sucede porem, que a Câmara local projectava construir uma rua que passando longitudinalmente pela propriedade (donde se havia efectuado o destaque) serviria de acesso às traseiras do terreno de Maria e daria acesso às duas ruas já existentes nos respectivos topos. Até aqui tudo normal, pois Maria ao mandar executar o projecto de arquitectura implantou a construção no terreno de modo a que o acesso às traseiras por viatura, se fizesse pela nova rua "a abrir à posteriori". A
Câmara Municipal deferiu o projecto na globalidade e Maria executou a obra. Como era emigrante, Maria só utilizava a casa durante os períodos de férias, e nos dias que cá estava utilizava a hipotética rua para acesso com viatura ao seu terreno nas traseiras. Note-se, que o espaço não era utilizado só por Maria, já que, abusivamente muitas pessoas o utilizavam como passagem pedonal e não só. Os proprietários (descendentes do anterior proprietário) toleravam tal situação, até porque, como se dizia, a Câmara mais cedo ou mais tarde faria a rua correspondente, conforme prometido. Pois bem, como de promessas está o mundo cheio, o executivo Camarário mudou, e da rua prometida nem a sombra; Mas, Maria, agora a viver definitivamente em Portugal continuou diariamente a utilizar o espaço da pseudo rua, como se da rua se tratasse. Os proprietários, entretanto toleravam e sabiam da utilização do espaço por Maria, agora exclusivamente. Cansados de esperar pela rua, os prpprietários decidiram vender a propriedade. Assim, um terceiro comprou toda a propriedade, e tendo conhecimento de toda a história (relacionada com a abertura da rua) continuou a consentir que Maria utilizasse a passagem para acesso com viatura ao seu terreno do fundo onde possuia arrumos de extrema necessidade, até porque, Maria, agora atacada por grave doença tinha grandes dificuldades de locomoção.
António, o novo proprietário, tolerava a passagem porque compreendia as dificuldades de Maria, por isso, jamais se incomodou com o facto de ela continuar a utilizar a passagem e a estacionar o veículo na referida pseudo rua . Decorreram os anos, e, António também já cansado de esperar pela dita rua e, na eminência da aproximação dos prazos que permitem a um possuidor invocar a usocapião(1) resolveu de uma vez por todas acabar com a situação de posse de que até ao momento, Maria tinha beneficiado.
Começou então uma autêntica batalha jurídica entre Maria e António, que esgrimindo cada um os seus trunfos, procuravam levar a melhor, ou seja: demonstrar quem tinha razão.
António, depois de verbalmente informar Maria para que não utilizasse a referida passagem, e perante a recusa desta , avançou com a construção de um muro que vedadva por completo o acesso a Maria à respectiva pseudo rua (doravante chamada serventia). Respondeu esta com a interposição de uma providência cautelar pela qual o tribunal obrigou António a demolir o muro e a repor a anterior situação.
Pois bem, estavam aqui em confronto dois dos direitos mais tutelados no nosso ordenamento jurídico.
Por um lado, o direito real de António ( o direito de propriedade com todas as protecções que a tutela jurídica lhe confere,como direito erga omnes (2).
Por outro, o direito real de posse, (3) de Maria, que nalguns casos goza de uma protecção tutelar semelhante ao direito real de propriedade , podendo até (nos casos previstos na lei) prevalecer .
Não é pacifica a discussão na doutrina portuguesa acerca da prevalência de um direito sobre outro, já que, na maioria das vezes, a posse, cede perante um direito real registado, mas, outras há, em que, a posse se sobrepõe ao direito real registado, que como se disse é um direito erga omnes(2).
No caso em apreço, e depois de consultar a doutrina que versa especificamente sobre o assunto, fácilmente se chega à conclusão de que a resolução deste caso pela via judicial seria concerteza de dificil encaixe psicológico para qualquer das partes que viesse a ser declarada vencida. Chegando a discussão a tribunal, a decisão da primeira instância seria naturalmente contestada pela parte perdedora, e naturalmente, se após recurso, a relação tivesse opinião contrária da primeira instância, a parte que agora perdia recorreria ao supremo. Da douta decisão do supremo, restaria a fundamentação da sentença com argumentação e referências à doutrina, que, como se disse, não é unanime na matéria, e, apesar do elevado número de páginas, onde com toda a ceteza se fundamentaria e explanaria a razão e a não duvida da decisão tomada , provavelmente, não conseguiria convencer os intervenientes, e muito menos os seus patronos. Dada a complexidade da matéria em questão, não haveria, em bom rigor, a certeza da decisão do tribunal,se a favor ou, contra quem.
Felizmente, António e Maria estavam patrocinados por excelentes e inteligentes advogados, que fazendo apelo a todo o fair play das partes, resolveram a contenda a contento, ou seja: urilizaram a valha maxima: mais vale um mau acordo, que uma boa demanda.
Nota: Maria acabou por comprar a António "muito embora por preço que se julga abaixo do preço de mercado", o terreno da serventia, que agora utiliza como direito real de propriedade.
Tudo está bem, quando acaba em bem.
1) usucapião, figura júridica pela qual, após decorrência de determinado período de tempo se pode invocar a posse plena de um direito.
2) direito erga omnes, direito absoluto, contra tudo, contra todos.
3) como se disse, não é pacífica a discussão doutrinal, sobre se a posse deva ser considerada, um direito real.