Por vezes, levamos um tal banho de orgulho, que nos faz a pensar: como é possível que determinados entes, e em determinadas circunstâncias, façam dele o seu único capital anímico.
No meu rotineiro caminhar, de regresso dos meus afazeres, deparava quase todas as noites com um sem abrigo deitado " pelo menos tentando dormir" sobre uma pedra de cantaria de montra de um grande Banco, situado na Avenida da Liberdade em Lisboa, junto a uma saída do Metro do Marquês de Pombal. A dita pedra, sobressaía não mais de 40 cm e situava-se a um metro do solo. Como mantas de agasalho, tinha uns cartões que aproveitava das embalagens dos estabelecimentos circundantes.
Chegado o frio das noites de Inverno, o cenário era exactamente igual, ou seja, a pretensa cama era a mesma, e os agasalhos continuavam a ser os cartões. Confesso,"sem pretensiosismo" que, protegido por um casaco de abafo me sentia algo desconfortavel ante a situação contrastante de frio do pobre homem.
Assim. na tarde seguinte, levei de casa um saco cama isolado termicamente, e no regresso das aulas indaguei se ele não se sentiria melhor com o saco cama. Tive o cuidado de o fazer sem ninguém a observar para que ele não sentisse qualquer constrangimento em receber a oferta; foi ainda minha intenção fazê-lo de molde a que ele não sentisse que lhe estava a dar uma esmola, mas sim, a ser solidário com a sua situação.
Na verdade, o homem reagiu com agressividade dizendo-me que não precisava daquela porcaria para nada e que não recebia esmolas fosse de quem fosse!
Fiquei atónito a olhar para ele sem saber se haveria de deixar mesmo assim, o referido saco cama.
Não o deixei, e acabei por dá-lo a um sem abrigo, que embriagado e gelado dormia no exterior da estação de Santa Apolónia, e, nem se apercebeu da oferta.
Confesso, que a reação do primeiro me deixou perplexo e a cogitar se eu não teria sido suficientemente subtil para proceder à oferta sem que o homem pensasse que era uma esmola; mas não! Descobri alguns dias depois, que o sem abrigo que rejeitou o saco cama havia sido um homem de negócios com escritório instalado numa zona rica da cidade e por razões diversas perdera tudo, sendo abandonado pela família, ou tendo-a ele abandonado, acabou na rua.
Ficou-me pois esta lição de vida; o homem perdeu tudo, mas, uma coisa não conseguiram tirar-lhe; o seu orgulho; esse, estava ali na plenitude da sua reação, e como demonstração de que, tal como o pensamento, o orgulho é algo de que não nos podem desapossar.